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sábado, 16 de agosto de 2008

AÇÕES SOBRE ACIDENTE DO TRABALHO CONTRA O EMPREGADOR - COMPETÊNCIA, COISA JULGADA E PRESCRIÇÃO

Quando se versa com bons métodos o Direito e se evitam os pendores opinativos, que simulam o senso jurídico, é lentamente, mas com pé firme, que se ganha o terreno...
(Pontes de Miranda, 1922)

INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Conflito de Competência 7.204, suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, pôs fim a uma polêmica que persistia desde a promulgação da Constituição de 1988: a Justiça do Trabalho é competente para julgar ação de indenização por dano material ou moral decorrente de acidente do trabalho provocado por dolo ou culpa do empregador.
Como as demandas relacionadas ao seguro público continuam sob competência da Justiça Estadual (art. 109, I, da CF), há divergência sobre os efeitos da coisa julgada na ação acidentária típica decorrente da responsabilidade objetiva do INSS e na ação indenizatória movida pelo trabalhador contra o empregador.
Também, ao lado de questionamentos de ordem processual, tem havido controvérsia quanto à prescrição pertinente às ações que passam à competência da Justiça do Trabalho.
O foco principal deste trabalho é perquirir, confrontando doutrina e jurisprudência, se há prevalência da coisa julgada de uma sobre outra demanda e se a alteração de competência interfere na prescrição a ser pronunciada.


1. A COMPETÊNCIA ESPECÍFICA DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Antes do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Justiça do Trabalho tinha por competência específica, além do poder normativo, julgar os conflitos entre trabalhadores e empregadores, ou seja, decorrentes da relação de emprego. Por competência derivada do permissivo contido na segunda parte do art. 114 da Constituição também eram submetidas a este ramo especializado do Poder Judiciário outras controvérsias decorrentes de relação de trabalho, na forma da lei, isto é, dependentes de previsão expressa em lei infraconstitucional.
Na doutrina e na jurisprudência, inclusive dos tribunais superiores, sempre houve muito desacerto na compreensão destes preceitos. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, há não muito tempo, entendia sistematicamente que só haveria competência da Justiça do Trabalho se a demanda tivesse por causa de pedir questão relacionada ao “direito material do trabalho”; se, ao contrário, a matéria fosse pertinente ao direito civil a competência seria da Justiça Comum . O equívoco era flagrante, pois o direito material sustentado pelo autor de ação trabalhista não é relevante para definir a competência da Justiça do Trabalho, mas sim a pertinência do litígio a uma relação de emprego, ou a outra espécie de relação de trabalho se prevista a competência em lei infraconstitucional. E o Supremo Tribunal Federal, em julgado paradigmático, já pontuara: “(...) À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho” . Especificamente quanto ao dano moral praticado no âmbito de contrato de emprego, a jurisprudência do STJ só se curvou frente à firme orientação do Supremo em sentido contrário .
A Emenda Constitucional 45/2004, além de ampliar consideravelmente as hipóteses de competência da Justiça do Trabalho sobre questões não diretamente vinculadas ao contrato individual de trabalho, promoveu alteração substancial na regra de competência específica: substituiu a espécie (relação de emprego) pelo gênero (relação de trabalho). Não é objeto deste estudo discorrer sobre o que se deva entender por relação de trabalho como categoria jurídica alçada a preceito constitucional definidor da competência específica da Justiça do Trabalho, bastando realçar que subsiste a premissa consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: não é a natureza do direito material que define a competência especializada, mas a vinculação do litígio a uma determinada relação jurídica – antes de emprego ordinariamente e, excepcionalmente, de trabalho, nos termos da lei, agora de trabalho como regra geral – segundo os parâmetros que a doutrina e a jurisprudência haverão de consolidar, ou que vierem a ser definidos em lei.
Releva notar, portanto, não haver mais dúvida de que se concentra na competência especializada todo e qualquer litígio que tenha por substrato (“ações oriundas de”) a relação jurídica de emprego ou de trabalho, independentemente da natureza do direito material que sustente a causa do pedido, e não apenas os que tenham por base direito do trabalho. Este efeito atrativo da competência não exerce nenhuma influência sobre a qualificação do direito material que rege cada aspecto do litígio. O direito comum aplicável para decidir controvérsia trabalhista continua sendo direito comum.

2. O PRINCÍPIO DA UNIDADE DE CONVICÇÃO
Em julgamentos pretéritos, nos quais o Supremo Tribunal Federal mantinha a competência da Justiça Comum para julgar ação indenizatória decorrente de acidente do trabalho por responsabilidade subjetiva do empregador, fez-se referência ao denominado princípio da unidade de convicção como fundamento remoto da necessidade de se subordinarem a um mesmo ramo do Judiciário os dois tipos de causas: ações acidentárias típicas (contra o INSS) e atípicas (contra o empregador).
O mesmo princípio tem sido invocado em amparo à tese de que a competência trabalhista é, mesmo agora, condicionada à da Justiça Comum quanto à caracterização do fato gerador do dissídio: o acidente do trabalho .
A irrelevância do suposto princípio – de resto discutível para o fim de se interpretar regra positiva de competência – é notória já pelo fato de que o Supremo acabou por consolidar tese que, logicamente, o desconsidera. Talvez fosse relevante para, de lege ferenda, debater-se sobre ser recomendável ou não definir em lei unidade de competência na espécie, ou efeitos anexos da coisa julgada proferida em face de um litígio sobre outro. O fato é que inexiste lei num ou noutro sentido.
Tampouco há no direito positivo preceito que atribua força de coisa julgada à sentença proferida na demanda entre segurado e autarquia previdenciária a favor ou contra o trabalhador em seu litígio com o empregador, analogamente, por exemplo, à conseqüência da sentença penal condenatória quanto à obrigação de reparar o dano . E note-se que mesmo nesta hipótese, “a responsabilidade civil é independente da criminal. Essa é a regra legal estabelecida na primeira parte do art. 935 do Código Civil, que reproduz o art. 1.525 do Código de 1916, com ligeira alteração de redação” . Por isso mesmo, pode haver decisões conflitantes, como no caso da oponibilidade da coisa julgada civil contra o reconhecimento, pela sentença penal, da obrigação de indenizar, conforme adverte JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA :
“A hipótese ocorre quando a sentença civil, que conclua pela improcedência da ação de indenização, transite em julgado antes da sentença penal que condene criminalmente o réu com fundamento nos mesmos fatos. Nesse caso, a sentença penal condenatória não terá eficácia executiva civil, porque a coisa julgada civil se oporá a que se tenha por implícito na sentença penal, a despeito da letra da lei, o reconhecimento da obrigação de indenizar, de cuja existência dependeria a força executiva que por lei lhe é atribuída.”
Outro exemplo de superação da "unidade de convicção" é a hipótese em que a condição de sócio seja questionada, para efeito de sua responsabilidade subsidiária em relação à pessoa jurídica, tanto na demanda fiscal da União perante a Justiça Federal quanto em processo de competência da Justiça do Trabalho, decorrente de débito para com o trabalhador.
Portanto, o chamado “princípio da unidade de convicção”, se existente, é relativo e não pode ser transformado em verdadeiro fetiche para restringir regra constitucional sobre competência (art. 114).

3. COMPETÊNCIA NÃO CONDICIONADA
3.1. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA
Segundo dispõe o art. 472 do CPC, a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Esta regra geral, segundo MOACYR AMARAL DOS SANTOS , assegura que, em princípio, terceiros que não participaram da relação processual, não tiveram posição no processo e podem mesmo ignorar a sua existência, estão livres dos efeitos da coisa julgada. Assim, se o segurado demanda contra o INSS para receber o benefício previdenciário a que tem direito em face do seguro público custeado pelo empregador, o reconhecimento ou não da existência de acidente do trabalho não constituirá coisa julgada fora daqueles limites. O mesmo raciocínio serve para a hipótese de ação do empregado para pleitear a indenização a que teria direito se o acidente decorrer de culpa ou dolo do empregador. Como já salientado, não é absoluto o princípio da unidade de convicção. Assim, eventual precedente num ou noutro processo não será mais do que isso, sem autoridade de coisa julgada com eficácia externa à respectiva demanda, como bem salienta OVÍDIO BATISTA :
“A influência que a sentença pode exercer sobre o juiz do futuro processo não passará de efeito de precedente, capaz, seguidamente, de exercer acentuada ou quase irresistível influência psicológica sobre o espírito do juiz, mas não irá além dessa simples autoridade moral a que o julgador não se liga juridicamente, permanecendo livre para decidir de modo diverso.”
As eficácias externas à demanda, que não estejam contidas na res deducta e que, por definição, não correspondam às eficácias diretas, ou serão efeitos anexos (que, como vimos, dependem ordinariamente de lei, inexistente nas hipóteses sob estudo), ou serão efeitos reflexos . Quanto a estes, o mesmo renomado autor adverte :
“Segundo a orientação dominante, o campo da eficácia reflexa está delimitado, apenas, a uma área bem menor e mais próxima da relação jurídica que constituiu objeto da decisão, só apanhando aqueles terceiros que tenham uma vinculação jurídica com o objeto do primeiro processo, ou seja, com a relação controvertida da causa, sob a forma de um vínculo de prejudicialidade-dependência. (...) A peculiaridade essencial dessa repercussão da sentença na esfera jurídica de terceiros decorre, não de uma previsão legal, mas de circunstâncias acidentais que colocam determinados sujeitos, chamados pela doutrina terceiros juridicamente interessados, numa relação de dependência jurídica relativamente à relação que fora objeto da sentença inter-alios.”
Assim, o subinquilino sofre os efeitos da ação de despejo proposta pelo locador contra seu inquilino, salvo eventuais exceções determinadas por leis emergenciais , mesmo não sendo parte no processo. Entretanto, não há nenhum vínculo de prejudicialidade ou dependência entre as relações de emprego (ou de trabalho) e de previdência. Esta autonomia, no sentido de constituírem relações jurídicas distintas, foi bem apreendida e enfatizada por JOÃO ANTONIO PEREIRA LEITE :
“O vínculo jurídico que realiza, no mundo do direito, a previdência social, é distinto, em todos os seus elementos, do vínculo de emprego. São diferentes os sujeitos da relação, seu objeto e sua causa – consoante a única doutrina compatível, no plano dogmático, com o direito positivo. (...) A relação de emprego, pois, pode constituir pressuposto de existência da relação de previdência social – elemento posto no suporte fático ou hipótese de incidência de regras jurídicas – mas esta última relação não está compreendida no objeto da primeira, tanto quanto não está na relação jurídica decorrente do contrato societário ou do contrato de locação de obra, locação de serviço ou mandato a que se vinculo o autônomo”
Portanto, não há eficácia reflexa da sentença proferida na ação movida pelo segurado na Justiça Comum em relação ao litígio “empregado-empregador”, de modo que o não-reconhecimento de acidente do trabalho naquele feito não impedirá o exame da questão na Justiça do Trabalho, assim como o reconhecimento poderá caracterizar, quando muito, precedente relevante. Ademais, sequer é apropriado cogitar de efeitos reflexos por vínculo de prejudicialidade-dependência entre relações jurídicas, pois a responsabilidade da autarquia decorre do descumprimento objetivo de obrigação inerente ao seguro público, enquanto a eventual responsabilidade do empregador está vinculada a um ato ilícito que, embora praticado no âmbito da relação jurídica de emprego ou de trabalho, presente a lição de PONTES DE MIRANDA ,“produz obrigação independente. O ato ilícito estabelece de si e originalmente o vínculo de obrigação.”
É certo que existem efeitos erga omnes decorrentes da coisa julgada material, mas eles correspondem, na verdade, a eficácias internas da sentença, pois mesmo os chamados terceiros juridicamente indiferentes nada podem fazer contra os efeitos constitutivos e executivos que, inexoravelmente, os atingem. Mas, como previne OVÍDIO , “a conclusão final que se tira é a de que o problema dos limites subjetivos da sentença é uma questão de legitimação. Não há, propriamente, o problema, mas, apenas, um prisma do limite objetivo da eficácia da sentença (Federico Carpi, ‘L’efficacia ultra partes della sentenza civile’, p. 257; Pugliese, op. cit., § 29, p. 879), o que, no fundo, corresponde à velha doutrina de Wach, Chiovenda e Carnelutti.”
3.2. LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA
A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468 do CPC). Não fazem coisa julgada: os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo (art. 469 do CPC).
Segundo a doutrina dominante , a coisa julgada se restringe ao dispositivo da sentença e seus limites objetivos ‘outra coisa não são senão a própria demanda vista depois de definitivamente julgada. A demanda, em verdade, é a ‘res iudicanda’ que se transforma em ‘res iudicata’, quando julgada.”
Ora, se o juiz de direito acolhe pedido do segurado-autor e, reconhecendo ter havido acidente do trabalho, defere ressarcimento em face da responsabilidade objetiva do INSS, não faz coisa julgada a matéria relativa ao acidente se examinada como motivo, fundamento ou questão prejudicial (art. 469 e incisos do CPC); e, se sobre ela houver demanda declaratória, ajuizada em caráter principal ou incidentalmente, deverá restringir-se ao litígio a respeito do qual tem competência o juízo, nos termos dos arts. 86 e 470 do CPC, respectivamente. A eficácia natural daí irradiada estará em qualquer hipótese limitada por essas circunstâncias.
Eventual demanda indenizatória do empregado em virtude de ato culposo ou doloso do empregador como causa do acidente não sofre interferência do que na esfera da Justiça Comum tenha sido decidido nos limites subjetivos e objetivos daquela coisa julgada.
A competência da Justiça do Trabalho é plena, nos limites do art. 114 da Constituição da República, independentemente da natureza do direito material pertinente ao litígio, consoante firme e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o que autoriza o exame da existência ou não de acidente do trabalho não só como questão prejudicial, incidentemente, mas com força declaratória e eficácia de coisa julgada se assim for a pretensão e se estiver contida nos limites do litígio decorrente, não da relação previdenciária, mas de suposto ilícito praticado pelo empregador com suporte na relação de trabalho. Como via de dupla mão, também nessa hipótese não há efeitos diretos, naturais, reflexos ou anexos da coisa julgada trabalhista sobre a lide previdenciária.

4. PRESCRIÇÃO
A simples redefinição da competência material para julgamento de determinado litígio, como no caso em apreço, não deveria motivar questionamento sobre alteração de prazo prescricional. Não é, porém, o que ocorre, pois “há um raciocínio quase automático que vincula a questão da competência com o prazo da prescrição”, conforme admite SEBASTIÃO ALVES PEREIRA . Na mesma linha é o entendimento de JOSÉ AFONSO DALLEGRAVE NETO . Por isso, justifica-se o enfrentamento desta questão – que é de direito material – em artigo que trata primordialmente de matérias referentes a direito processual.
Não há dúvida de que prescrição é instituto de direito material e “o ramo do direito em que nasce a pretensão é o que lhe marca a prescrição, ou estabelece prazo preclusivo ao direito” . O atual Código Civil, como lembra CARLOS ROBERTO GONÇALVES , “adota o vocábulo ‘pretensão’ (anspruch), para indicar que não se trata do direito subjetivo público abstrato de ação. E, no art. 189, enunciou que a prescrição se inicia no momento em que há violação do direito”. As regras sobre sua argüição em juízo não lhe marcam a natureza, como já deixava entrever em sua clássica obra CÂMARA LEAL .
Já salientamos que o efeito atrativo da competência trabalhista sobre todas as “ações oriundas da relação de trabalho” (redação do art. 114 segundo a EC 45/2004) não transmuda a natureza do direito material pertinente a cada espécie de litígio. O direito comum continua sendo direito comum quando aplicado para dirimir conflito sob a competência da Justiça do Trabalho. O preceito contido no parágrafo único do art. 8° da CLT , ao contrário do que decidiu o TST (RR 28683 – 2ª T. – Rel. Juiz Conv. Horácio Senna Pires – DJU 10.12.2004) serve apenas de parâmetro para aplicabilidade ou não da regra em caráter supletivo, por lacuna do direito do trabalho, e não para amoldá-la a este, criando-se verdadeiro amálgama normativo que não corresponderia ao ordenamento legal vigente, ao sabor de cada intérprete. O direito do trabalho, nem mesmo em sua fase expansionista, teve este poder absorvente e transfigurador.
Outro argumento dos defensores da prescrição trabalhista é o de que a indenização por acidente do trabalho decorrente de dolo ou culpa do empregador constitui “crédito resultante da relação de trabalho”, lato sensu, sendo um “direito de natureza trabalhista” diante da previsão contida no art. 7°, XXVIII, da Constituição . Portanto, segundo SEBASTIÃO PEREIRA , deve-se aplicar a prescrição prevista no inciso XXIX do mesmo art. 7° .
Em primeiro lugar, não impressiona o argumento baseado na localização física do preceito no texto constitucional. Também é direito dos trabalhadores urbanos e rurais o FGTS , cuja prescrição é trintenária como forma de proteger o aspecto de natureza social desse direito , consoante pacífica doutrina e jurisprudência, embora o TST e a maioria dos tribunais aplique, simultânea e contraditoriamente, o prazo bienal de prescrição trabalhista que se conta a partir da extinção do contrato de trabalho.
Além disso, o direito mesmo assegurado no inc. XXVIII do art. 7° da Constituição é ao seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sendo feita referência à indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, apenas para assegurar que não se exclua ou compense com aquele direito. Logo, pelo entendimento exposto, o seguro público custeado pelo empregador deveria, necessariamente, sujeitar-se à prescrição trabalhista, o que é absolutamente despropositado e nunca se cogitou.
O direito a indenização reparadora de dano decorrente de acidente do trabalho, não obstante o efeito atrativo de competência decorrente do art. 114 da CF, não pode ser confundido com “crédito decorrente da relação de trabalho”. Mesmo quando o empregador descumpre norma de segurança, desse fato não decorre, direta e necessariamente, crédito indenizatório, pois este pressupõe dano. “A culpa, como falta a um dever ou infração à lei, não traz em si o subjetivo de prejudicar” .
Ninguém melhor que PONTES DE MIRANDA estabeleceu a diferença entre a responsabilidade civil negocial e extranegocial na hipótese:
“Há, sem dúvida, no suporte fático de qualquer das regras jurídicas sobre a responsabilidade pelos danos causados no trabalho (acidentes do trabalho) o elemento necessário da relação jurídica entre o empregado e o empregador. Daí ter-se considerado indubitável a negociabilidade da regra jurídica. Com isso, classificou-se o acidente do trabalho como dano por fato ilícito relativo e pôs-se de lado a relação jurídica mais relevante, que é entre os empregadores e quaisquer empregados, que resulta de infração de dever ‘perante eles’, e não ‘perante cada um’ de per si. A infração seria de inadimplemento do contrato de trabalho, e não de dever perante qualquer empregado, pelo fato ilícito absoluto. A solução nunca nos pareceu acertada. O que as leis têm por fito, com as regras jurídicas sobre acidentes do trabalho, é a reparação, haja ou não culpa do empregado. A infração não é atinente à relação jurídica entre o empregador e o empregado. Essa relação jurídica apenas se acha no suporte fáctico das regras jurídicas sobre reparação por acidentes do trabalho, como a vizinhança está no suporte fáctico do dano de que resulta relação jurídica de indenização pela queda ou lançamento de coisas, ou no suporte fáctico das regras jurídicas sobre responsabilidade extranegocial dos profissionais (e.g., médicos, cirurgiões, farmacêuticos, advogados). Há danos com responsabilidade negocial e danos com responsabilidade extranegocial.”
No mesmo sentido é a doutrina de JOSÉ DE AGUIAR DIAS , PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO e SERGIO CAVALIERI FILHO .
Logo, se prescrição é instituto de direito material e se a responsabilidade civil do empregador, no caso de acidente do trabalho por sua culpa ou dolo, não decorre propriamente de descumprimento de obrigação contratual, mas de ato ilícito seu, é conseqüência inarredável que ela deva ser regida pela lei civil que regula a matéria, e não pelo disposto nos arts. 7°, XXIX, da CF e 11 da CLT. Mutatis mutandis, os fundamentos são os mesmos que levaram à consolidação da prescrição trintenária do FGTS, assim como os que sustentaram o voto condutor do julgamento do TST no processo Nº TST-E-RR-08871/2002-900-02-00.4 (DJ - 05/03/2004):

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. Observada a natureza civil do pedido de reparação por danos morais, pode-se concluir que a indenização deferida a tal título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do Trabalho, não constitui crédito trabalhista, mas crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim, ainda que justificada a competência desta Especializada para processar a lide não resulta daí, automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstância de o fato gerador do crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na esfera da honra e da imagem do indivíduo, transcendendo os limites da condição de trabalhador do ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 177 do Código Civil, em observância ao art. 2028 do novo Código Civil Brasileiro, e não o previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Embargos conhecidos e providos.

A circunstância de o novo Código Civil ter reduzido o prazo prescricional que, no Código de 1916, era de vinte anos, passando agora a três, não autoriza a que se deixe de aplicar a lei sob o pretexto de que isso estaria autorizado pelo princípio da norma mais benéfica. Tal princípio, pertinente a regras de direito do trabalho, só pode ser aplicado no caso de regras concorrentes, e não quando há exclusão lógica de um dos regramentos, como no caso em estudo. Além disso, não aplicar o Código Civil, como se impõe na espécie, é favorável ao trabalhador apenas sob o ponto de vista da prescrição qüinqüenal, mas não se for considerado o biênio após a extinção do contrato de trabalho, menos ainda a regra de transição estabelecida no art. 2.028 do novo Código . Neste aspecto, a violência seria desmedida porque um número incomensurável de lesões perpetradas, cujas pretensões ainda não haviam sido atingidas pelo manto prescricional, como num passe de mágica seriam soterradas. O mesmo se faria, com maior insídia, no caso de ser pronunciada prescrição qüinqüenal ou bienal em processo iniciado na Justiça Comum dentro do prazo vintenário então vigente, remetido à Justiça do Trabalho por força da incompetência absoluta declarada no curso do feito. Sequer a alteração de norma constitucional teria essa força, tanto para consumar prescrição cujo prazo não se completasse antes da alteração, quanto para o contrário:

“Prescrição trabalhista: trabalhador rural: CF, art. 7º, XXIX: pretensão inadmissível de impor redução do prazo prescricional à ação iniciada antes da promulgação da Emenda Constitucional 28/2000; a norma constitucional - ainda quando o possa ser - não se presume retroativa: só alcança situações anteriores, de direito ou de fato, se o dispuser expressamente: precedentes." (RE 423.575-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17/12/04)

"A prescrição se situa no âmbito do direito material e não do direito processual. O que prescreve não é o direito subjetivo público de ação, mas a pretensão que decorre da violação do direito subjetivo. Se a prescrição se consumou anteriormente a entrada em vigor da nova Constituição, é ela regida pela lei do tempo em que ocorreu, pois, como salientado no despacho agravado, ‘não há que se confundir eficácia imediata da Constituição a efeitos futuros de fatos passados com a aplicação dela a fato passado’. A Constituição só alcança os fatos consumados no passado quando expressamente o declara, o que não ocorre com referência à prescrição." (AI 139.004-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 02/02/96)


CONCLUSÕES
A) A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas versando sobre acidente do trabalho, entre empregado e empregador, decorre do efeito atrativo do art. 114 da Constituição da República quanto a quaisquer ações oriundas da relação de trabalho e não é condicionada. Este efeito atrativo, porém, não altera a qualificação do direito material que rege cada aspecto do litígio.
B) O chamado princípio da “unidade de convicção”, sobre ser discutível sua pertinência para interpretar regra positiva de competência, não é absoluto e, assim, não impede o exercício com plenitude da competência outorgada pela Constituição, observados os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada.
C) O direito a indenização decorrente de acidente do trabalho, não obstante a competência definida pelo art. 114 da CF, não se confunde com “crédito resultante da relação de trabalho”, pois a obrigação de indenizar nasce de ato ilícito do empregador tendo como substrato a relação de trabalho, e não propriamente de descumprimento do contrato. O direito assegurado no art. 7°, XXVIII, da CF corresponde, primordialmente, ao seguro público contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sendo feita referência à indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, para assegurar que não se exclua ou compense.
D) A prescrição é instituto de direito material e o seu prazo, na espécie, é fixado pelo Código Civil, e não pelos arts. 7°, XXIX, da CF e 11 da CLT.

BIBLIOGRAFIA
AMARAL DOS SANTOS, Moacyr. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a ed. RJ: Forense, 1982.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Sentença e Coisa Julgada. 4a. ed. RJ: Forense, 2003.
CÂMARA LEAL, Antônio Luis. Da Prescrição e da Decadência. 3a. ed. RJ: Forense, 1978.
CARMO, Júlio Bernardo. Competência Absoluta ou Condicionada? ANAMATRA. Brasília – DF, 12.07.2005. Sessão Artigos. disponível em http://www.anamatra.org.br/opiniao/artigos/artigos.cfm?inicio=11&ordem=desc&publico=1descricao=artigos . Acesso em 21.09.2005.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6a. ed. SP: Malheiros, 2005.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. Ed. SP: LTr, 2005.
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 9a. ed. RJ: Forense, 1994.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Ed. SP: Saraiva, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. SP: Saraiva, 2003.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 4a. ed. SP: RT, 1983.
PEREIRA LEITE, João Antônio G. Estudos de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. 1a. ed. Porto Alegre: Síntese, 1979.
PEREIRA, Sebastião Alves. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. SP: LTr, 2005.
VIEIRA NETO, J.R. O Risco e a Imprevisão. E.P. Curitiba: Juruá, 1989.
VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa Julgada e Ação Anulatória. 1a. ed. Curitiba: Juruá, 2005.

fonte: http://www.esmat13.com.br/art_normal.php?id.noticia=330

Ricardo Tavares Gehling
Juiz do Tribunal Regional do Trabalho - RS

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