AÇÃO MONITÓRIA. Cheque Prescrição.
Inocorrência. Cheques emitidos na vigência do Código Civil de 1916 - Circunstância
em que, não tendo decorrido a metade do prazo enquanto vigente o mencionado
codex, o lapso temporal prescritivo é aquele...
estabelecido pelo Código de2002, a
ser contado a partir da vigência deste, nos termos de seus arts. 2.028 e 206, §
5°, I, e da Súmula 18 da Seçãode Direito Privado deste E. Tribunal. Sentença
quereconheceu a ocorrência da prescrição e extinguiu oprocesso reformada.
Recurso provido.
AÇÃO MONITÓRIA. Cheque prescrito. Operação
demútuo ou empréstimo que não se acha nas atividadesprescritas pela lei como
caracterizadoras de instituiçãofinanceira. Possibilidade da prática do mútuo
denominadocivil em contraponto ao comercial ou bancário. Ausênciade prova de
que o beneficiário dos títulos tenha atuadocomo instituição financeira sem
autorização do BancoCentral. Alegação genérica de prática de agiotagem
semelementos probatórios materiais que convençam de suaocorrência. Exigibilidade
dos valores mencionados nostítulos. Embargos rejeitados. Ação julgada
procedentenesta oportunidade.
Os apelantes pretendem a reforma da r. sentença de fls.
62/65, cujo relatório se adota, que,reconhecendo a ocorrência da prescrição da
ação monitória fundada em cheques, cujo prazo a MM.ª Juízaentende ser o de 03
anos em razão de não ter sido declinada a causa debendi, julgou extinto
o processo,nos termos do art. 269, IV, do CPC(1).
Afirmam que a decisão não pode prevalecer,porquanto não
ocorreu a prescrição, que, na hipótese,
tem prazo de 20 anos pelo Código Civil de 1916 e 10
anospelo de 2002.
Recurso regularmente processado.
A apelada apresentou contrarrazões a fls.78/82,
sustentando o acerto do decisum e pedindo a
condenação dos apelantes por litigância de má-fé.
É o relatório.
Antes do mais, não se vê qualquer conduta dosapelantes
que tenha extrapolado o limite do direito dedefesa e, por isso, fica afastado o
pedido de suacondenação por litigância de má-fé.
Dito isso, o recurso comporta acolhimento.
Assim é porque não há se falar em prescrição.
Respeitado o entendimento da MM.ª Juíza, a açãomonitória fundada em cheque sem
força executiva temprazo prescricional quinquenal, aplicando-se
oestabelecido pelo art. 206, § 5º, I (2), do Código Civil,conforme, aliás,
proclama a Súmula 18 da Seção deDireito Privado deste E. Tribunal.
Isso porque não há dúvida alguma de que ocheque constitui instrumento particular
representativode dívida líquida.
A propósito, o C. Superior Tribunal de Justiça,por sua
Terceira Turma, em julgamento do REsp nº
1.038.104-SP, relatado pelo Ministro Sidnei Beneti,
játeve a oportunidade de também assim decidir: “CIVIL
EPROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZOPRESCRICIONAL. A ação monitória fundada em cheque prescritoestá subordinada
ao prazo prescricional de 5 (cinco)
anosprevisto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil. RecursoEspecial
improvido”.
Preciosa lição colhe-se do corpo da decisão:
“(...) é preciso reconhecer que o cheque,
passado o prazopara ajuizamento da ação executiva, perde a sua
naturezacambiária, mas não deixa de ser um documento representativoda relação
negocial havida entre as partes. Com efeito, amesma característica que permite
qualificá-lo como 'provaescrita' capaz de subsidiar o ajuizamento da ação
monitória (Súmula 299/STJ) também permite afirmar que ele é uminstrumento
particular representativo da dívida líquida”.
Prossegue aquele eminente Ministro:
“Considerando a natureza cambiária do cheque e
os princípiosda autonomia, abstração e cartularidade que cercam os títulosde
crédito, é preciso reconhecer que, na origem, ainda queposteriormente prescrito
pelo decurso do tempo, é documentoemitido com o propósito de representar a
própria dívida,conserva um tanto da relevância da natureza de origem,desprovido,
entretanto da força executiva, não havendo comorecusar-lhe, nesta medida, a
qualidade de instrumentoparticular de relevo”.
E conclui: “Demais disso, ainda na origem e
anteeventualidade de prescrição ulterior, o cheque é instrumentorepresentativo
de obrigação líquida, assim entendida aquelaque é certa quanto à sua existência
e determinada quanto aoseu objeto”.
O prazo
prescricional, na hipótese dos autos,se iniciou a partir do decurso de prazo para apropositura da ação executiva,
que se deu em março de1998 para os títulos de fls. 08, 09 e 11, e fevereiro
de1998 para o título de fls. 10.
É bem verdade que, ao tempo do Código Civil de1916, o prazo prescricional para o exercício
da açãomonitória era o ordinário, de vinte
anos (art. 177).
Todavia, não tendo decorrido a metade do prazo na vigência do codex de 1916, o lapso
temporal
prescritivo é aquele estabelecido pelo novo CódigoCivil, como prevê seu
art. 2.028.
Por outro lado, não é possível retroceder avigência do
novo Código a situação pretérita a ela.
Há muito tempo tal impossibilidade foi balizadapelo C.
Supremo Tribunal Federal (RE 79327/SP Rel.Ministro Antônio Neder), que assim
proclamou:
“PRESCRIÇÃO.
DIREITO INTERTEMPORAL. Caso em que o prazo prescribente fixado na lei nova é
menor do que o prazoprescricional marcado na lei anterior. Feita a contagem do prazo
prescribente marcado na lei nova (isso a partir davigência dessa lei), e se
ocorrer que ele termine antes defindar-se o prazo maior fixado na lei anterior,
é de seconsiderar o prazo menor previsto na lei posterior, contadoesse prazo a
partir da vigência da segunda lei”.
Resulta claro, portanto, que o novo prazo deveser contado
da vigência da nova lei, como, aliás, já
proclamou o C. Superior Tribunal de Justiça: “DIREITOCIVIL.
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRESCRIÇÃO. NOVO CÓDIGO. REDUÇÃO. CONTAGEM DO NOVO PRAZO. TERMO INICIAL. O prazo
prescricional
em curso, quando diminuído pelo novo CódigoCivil, só sofre a incidência da
redução a partir de suaentrada em vigor, quando cabível (art. 2.028). Nesse
caso, acontagem do prazo reduzido se dá por inteiro e com o marcoinicial no dia
11.1.2003, em homenagem à segurança e àestabilidade das relações jurídicas”(RESP nº 717.457-PRRel. Ministro César Asfor Rocha data
da decisão:27.03.2007).
Ou ainda: “CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS.
PRESCRIÇÃO.
INCORRÊNCIA. PRAZO. CÓDIGO CIVIL. VIGÊNCIA. TERMO INICIAL. À luz do novo Código
Civil os prazos prescricionais foram reduzidos, estabelecendo o art. 206, § 3º,
V, que prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Já o art. 2.028
assenta que 'serão os da lei anterior os prazos,
quando
reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada'. Infere-se,
portanto, que tão-somente os prazos em curso que ainda não tenham atingido a
metade do prazo da lei anterior (menos de dez anos) estão submetidos ao regime
do Código vigente, ou seja, três anos.
Entretanto,
consoante nossa melhor doutrina, atenta aos princípios da segurança jurídica,
do direito adquirido e da irretroatividade legal, esses três anos devem ser
contados a partir da vigência do novo Código, ou seja, 11 de janeiro de 2003, e
não da ocorrência do fato danoso”.
As hipóteses aqui trazidas têm em comum com a levantada
no presente recurso o fato de haver tempo maior, para a propositura da ação, no
Código Civil de 1916 (20 anos), do que no código atual, que o reduziu para
cinco anos.
Assim, considerando-se que o prazo de cinco anos deve ser
contado a partir de 11 de janeiro de 2003, a ação poderia ter sido ajuizada até
janeiro de 2008.
Comprova a chancela lançada a fls. 02 que a ação foi
distribuída em dezembro de 2007 e, portanto, dentro do prazo prescricional.
Em vista dessas circunstâncias, fica afastada a prescrição
proclamada em primeiro grau.
Superada essa questão, e tendo em vista que as preliminares
suscitadas nos embargos já foram
devidamente afastadas pela r. sentença, contra a qual a embargante
não se insurgiu, verifica-se que os elementos amealhados no curso do processo
autorizam o julgamento da lide pelo mérito, com aplicação analógica do art. 515,
§ 3º, do CPC, dada a desnecessidade da dilação probatória.
Nesse sentido, a embargante ampara sua defesa na tese de
que os cheques objeto da demanda decorrem de empréstimo, operação que ela
entende ilícita por não ter sido realizada por instituição financeira
autorizada pelo Banco Central, e argumenta, ainda, que os juros aplicados no
negócio são usurários, buscando provar o alegado principalmente por meio de
prova oral.
Em primeiro lugar, diferentemente do quanto alegado nos
embargos, a operação de empréstimo ou mútuo não se acha nas atividades
prescritas pela lei como caracterizadoras de instituição financeira, além de
ser possível a prática do mútuo denominado civil em contraponto ao comercial ou
bancário.
Ademais, não há nos autos qualquer prova a justificar a
afirmação de ter o beneficiário dos títulos atuado como instituição financeira
sem autorização do Banco Central a teor do disposto no art. 17 da Lei n° 4595/64.
De seu turno, igualmente não tem cabimento a alegação de
agiotagem.
Isso porque cabia à embargante indicar de forma convincente
os fatos que permitissem concluir pela sua ocorrência, tais como o efetivo
valor do principal da dívida e a incidência de juros acima do limite legal sobre
aquele montante, o que ela não fez.
A embargante, neste aspecto, não trouxe elementos mínimos
que estivessem ao seu alcance e conferissem verossimilhança à tese deduzida em
sua defesa, de sorte que faltaram aos autos elementos que ensejassem a
pretendida dilação probatória.
Desse modo, a frágil alegação genérica de prática de
agiotagem, desacompanhada de quaisquer elementos ou mesmo indícios probatórios
convincentes, não obriga o juízo a determinar realização das provas pretendidas
pela embargante, razão pela qual, por força dos termos dos embargos, sua
rejeição, pelo julgamento antecipado, é medida que se impõe.
Por outro lado, a embargante não negou a emissão dos
cheques, tampouco alegou pagamento, tendo amparado sua tese na frágil alegação
de que teria sido vítima de agiotagem, o que não se mostra suficiente para desconstituir
os títulos que instruem a ação.
Desse modo, não tendo a embargante demonstrado causa
extintiva, modificativa ou impeditiva do direito dos embargados que
efetivamente comprovasse a inexigibilidade do débito oriundo dos cheques objeto da lide, deve mesmo ser obrigada a
pagar os valores neles descritos.
Por sua vez, os juros de mora de 0,5% ao mês são devidos
na forma prevista pelo art. 397 do Código Civil e, portanto, têm de ser
contados a partir do vencimento de cada título, porquanto a obrigação de pagamento
tinha data certa de cumprimento e, por isso, o inadimplemento no seu termo
constituiu em mora a devedora.
Da mesma forma, a correção monetária, utilizando-se os
índices constantes na Tabela Prática deste Tribunal, também deve ser aplicada
desde os respectivos vencimentos dos títulos, de modo a se preservar o
numerário em virtude de sua desvalorização decorrente da inflação, porque, do
contrário, os credores receberiam quantia abaixo da efetivamente devida, diante
dos efeitos inflacionários sobre o poder liberatório da moeda.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para o fim
de se afastar o decreto de prescrição e, aplicando-se analogicamente o previsto
no art. 515, § 3°, do CPC, rejeitam-se os embargos e julga-se procedente a ação
monitória, constituindo-se título executivo no valor equivalente à soma dos
cheques que instruíram a inicial, com juros de mora e correção monetária
contados a partir dos respectivos vencimentos das obrigações representadas
pelas mencionadas cártulas, invertido o ônus da sucumbência.
PAULO PASTORE FILHO
Relator
Apelação nº 9074017-39.2009.8.26.0000 - São Paulo 2
VOTO Nº: 11342
APTE. : M.M.F. E OUTRO
APDO. : INDÚSTRIA DE CALÇADOS MARQUES LTDA
Fonte: TJSP
REFERÊNCIAS
(1) Art. 269. Haverá
resolução de mérito:
(2)
IV - quando
o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
(3)
Art. 206. Prescreve:
§ 5o Em cinco
anos:
I - a pretensão de cobrança de
dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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