seguradora-estipulante, pena de se chancelar o abuso do exercício de direitos subjetivos, em nítida afronta à boa-fé objetiva (vetor do mínimo ético exigível) e aos direitos do consumidor; em especial, ante o fato de que o polo mutuário não poderia escolher seguradora diversa, muito menos modificar cláusulas do específico contrato de adesão celebrado. Perícia que é indispensável para examinar, no mínimo, a existência e o nexo causal dos tais danos. Matéria eminentemente fática a impedir a aplicação analógica do art. 515, § 3º, do CPC. Sentença anulada. Recurso provido.
7ª Câmara de Direito Privado
Apelação nº 9219930-86.2008.8.26.0000 – Santos – Voto 629 2/5
Apelantes: GF e outros.
Apelada: Companhia Excelsior de Seguros.
Ação: Indenização.
Origem: 1ª Vara Cível de Santos.
Juiz de 1ª instância: Dr. Paulo Sérgio Mangerona.
Trata-se de apelação
interposta contra a r.sentença de fls. 263/266, cujo relatório se adota, que
julgou improcedente o pedido.
Busca-se a reforma do decisum
monocrático porque: a) a demanda foi proposta por beneficiários do seguro, circunstância
a afastar a prescrição ânua; b) se os danos ocorreram na vigência do
financiamento, a seguradora deve indenizar o mutuário e
c) os problemas existentes
no imóvel encontram cobertura contratual (fls. 269/285).
Tempestiva e bem
processada, comgratuidade (fls. 102), vieram aos autos contrarrazões (fls.
288/298).
É a síntese do necessário.
Prima
facie, no âmbito desta Corte, a preclusa decisão de fls. 313 firmou a
competência da Justiça Estadual para conhecer e julgar a controvérsia.
O recurso comporta
provimento.
De fato, é irrelevante
para o deslinde da quaestio a quitação dos imóveis, haja vista serem os
danos em tese contemporâneos aos pagamentos dos respectivos prêmios1; daí
porque não se afasta agora e per se a obrigação securitária.2
Pouco importa ainda
perquirir se foram, ou não, emitidos avisos de sinistro, seja porque a inércia
da estipulante não restringe e/ou condiciona o interesse de agir dos mutuários,
seja porque apenas a perícia poderá delinear se os danos decorreram de vícios
construtivos.3
Quanto aos efeitos do
decurso do tempo, em que pese à convicção do MM. Juiz de Direito, o prazo ânuo
de espectro reduzido não incide sobre beneficiários do seguro
1 TJSP, AC 147.024-4/7,
rel. Carlos Roberto Gonçalves, j. 08.06.2004.
2 TJSP, AC
0022078-91.2005.8.26.0590, rel. Paulo Eduardo Razuk, j. 17.04.2012.
3 TJSP, AC 0008736-86.2008.8.26.0079, rel. James
Siano, j. 24.08.2011.
habitacional, visto que
somente disciplina a pretensão direta do
segurado contra a
seguradora.4
PRESCRIÇÃO
Indenização securitária Não ocorrência Mutuários que não se apresentam como segurados
diretos, mas como beneficiários do seguro habitacional Inaplicabilidade do
disposto pelo art. 206, §1°, inciso II, alínea “b”, do Código Civil de 2002,
cuja
previsão
refere-se apenas em relação à ação do segurado
contra a seguradora
Contrato de trato sucessivo
Interrupção
do prazo com o pagamento de cada parcela
do
financiamento que engloba, segundo regras
contratuais
assumidas, o prêmio de seguro.5
É dizer: a prescrição na
hipótese sub examine
é sempre a maior, de
natureza geral: vinte anos sob a égide do Código
Civil de 1916 (art. 177)
ou dez anos na atual sistemática (art. 205)6;
além disso, sua contagem
se inicia a partir do inequívoco
conhecimento dos danos
contínuos e progressivos, anote-se e da
sua extensão, quadro a se
aperfeiçoar apenas com o laudo da aqui
indispensável
perícia.7
De outra banda, no mínimo
ambíguas, as disposições contratuais de cobertura não podem favorecer a seguradora-estipulante8,
pena de se chancelar o abuso9 do exercício
de direitos subjetivos, em
nítida afronta à boa-fé objetiva (vetor do
mínimo ético exigível) e
aos direitos do consumidor.10
O aspecto
importante da questão consiste no
desequilíbrio
de forças entre as duas partes contratantes:
o
segurador, impondo as suas condições sem as quais o
contrato
não se fará; o segurado, premiado pela
4 TJSP, AC
0008326-75.2008.8.26.0322, rel. Adilson de Andrade, j. 26.07.2011.
5 TJSP, AI
0094554-44.2011.8.26.0000, rel. Elcio Trujillo, j. 06.07.2011.
6 TJSP, AC
0008736-86.2008.8.26.0079, rel. James Siano, j. 24.08.2011.
7 TJSP, AI
0044417-58.2011.8.26.0000, rel. José Joaquim dos Santos, j. 26.07.2011.
8 TJSP, AC 0272718-02.2009.8.26.0000, rel. Egídio
Giacoia, j. 05.07.2011.
9 TJSP, AC 619.199.4/0-00, rel. Fábio
Quadros, j. 30.04.2009.
10 CDC, art. 47.
necessidade
de celebrar um tal contrato, fica sob o
dilema:
ou contratar na forma das cláusulas já
estabelecidas
e há muito impressas ou não contratar e
suportar
o risco. Daí a tendência da Jurisprudência, em
matéria
de seguros, de interpretar os contratos,
inclinando-se
a um sentido mais favorável ao
segurado,
considerada a parte mais fraca. Demais,
esse
desequilíbrio se encontra atualmente atenuado, não
só pela
ação dos Tribunais, como ainda pela intervenção
do Estado
na organização dos seguros, de modo a tornar
o
problema de muito menor interesse do que outrora. A
interpretação
dos contratos de seguro é feita pelo Poder
Judiciário
de um modo liberal, imprimindo às cláusulas
porventura
obscuras, imprecisas ou ambíguas, um sentido
favorável
aos segurados, justamente partindo da
consideração
de haverem sido regidas pelos
seguradores.11
Além disso, o polo
mutuário não poderia escolher seguradora diversa, muito menos modificar
cláusulas do específico ajuste de adesão celebrado; logo, após a imprescindível
prova técnica, que examinará no mínimo a existência e o nexo
causal dos tais danos,
cabe ao MM. Juízo processante retomar a
análise da cobertura a
partir das premissas acima estabelecidas.
Por fim, a envolver
matéria eminentemente fática, subordinada à análise técnica, não há como se
aplicar de modo analógico o art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil.
Ex
positis, pelo meu voto, ANULA-SE a r. sentença para que outra seja
proferida após a conclusão de específica e necessária prova pericial.
FERREIRA DA CRUZ
Relator
Fonte: TJSP
11 Serpa Lopes. Curso de Direito Civil.
Editora Freitas Bastos, 1958, p. 175.
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